Falta de clareza em profissionais do varejo

Todos os homens são mamíferos.

Meu cachorro é mamífero.

Logo, meu cachorro é homem.

 

Quando, nas nossas argumentações, partimos de uma ideia que se encadeia a outra, afirmando ou negando conceitos, chegamos a determinadas conclusões através do processo lógico de raciocínio. No entanto, nem sempre a concatenação de ideias é clara e, por isso, é preciso refazer sempre o caminho percorrido para validar ou não a conclusão a que chegamos. Como no exemplo acima, afirmamos três idéias onde a última derivou das duas anteriores. Será que realmente meu cachorro é homem? Neste exemplo é fácil negar, mas nem sempre é tão óbvio assim.

 

No meu último artigo para esta revista (n.º 83), destaquei a necessidade da área de RH entender do negócio e assumir um posicionamento estratégico, para que o diferencial do varejo possa realmente estar nas suas pessoas e para um maior sucesso da empresa no mercado. A nós, profissionais de RH, é atribuída, entre outras coisas, a habilidade de lidar com as ansiedades, motivações, tensões e frustrações das equipes de vendas e da base administrativa. Mas acredito que todos os que vivem do varejo precisam repensar as suas atitudes e entendê-lo através de uma visão transformadora.

 

O varejo do futuro, do ponto de vista dos recursos humanos, tem que deixar de ser entendido como uma “oportunidade ocasional, de passagem, de sentimento do dever sem prazer”, e se tornar uma “oportunidade profissional, de crescimento, de dever com prazer, de satisfação do cliente por missão profissional e não por obrigação”.

Tenho observado que muita decisão de investir ou não nas pessoas que compõem a dinâmica produtiva da loja tem percorrido caminhos parecidos com o nosso exemplo inicial, provocando conclusões que induzem a comportamentos inadequados tanto por parte dos lojistas quando de suas equipes. Os casos de empresas do varejo que saem na frente ainda são minoria. Sabem que se o foco do negócio é o cliente, o foco do líder é seu pessoal. Então, para acontecerem, se desenvolverem e se manterem no mercado investem na profissionalização sem paternalismo ou benevolência às pessoas que fazem o seu negócio acontecer.

 

Não é suficiente querer um “bom vendedor” é preciso, primeiro, saber definir qual é o perfil do profissional desejado, quais as atitudes e comportamentos esperados dele, e o que ele deverá esperar da empresa, e, segundo, oferecer um ambiente propício, onde o novo colaborador seja integrado por lideranças preparadas, tenha regras claras, seja instruído sobre o padrão de tratamento dispensado aos clientes, valores da empresa, etc. É importante ao varejo se preocupar em selecionar com critério e treinar quem realmente é crucial à sua equipe de loja.

 

A seleção é uma atividade gerencial, mas é comum ser conduzida por pessoas que não têm conhecimento nem técnica para tanto. Peter Drucker, um dos maiores teóricos da administração, assinala que a Seleção é uma das mais importantes atividades na empresa, mas que tem sido negligenciada, causando custos e desgastes para todos.

 

Em seu livro Administração de Marketing, parte IV – Desenvolvimento de Estratégias de Marketing, no capítulo “Diferenciação e Posicionamento da oferta de Marketing”, Philip Kotler afirma que “as empresas podem obter grande vantagem competitiva através da contratação e do treinamento de pessoas mais bem qualificadas do que seus concorrentes” e que “funcionários bem treinados exibem seis características: competência, cortesia, credibilidade, confiabilidade, responsabilidade, comunicação”.

 

Para desenvolver os projetos de profissionalização, já a partir do processo de Recrutamento e Seleção, é preciso que a comunicação interna da empresa exista e flua. Caso contrário, já na contratação, iniciam-se os problemas tanto com o novo funcionário, quanto dele com a equipe e, pior, com os clientes. Com falta de clareza, ou seja, com informações truncadas, dúbias ou incompletas, a tendência é gerar comportamentos equivocados, com meias verdades que levam a erros, conflitos e queda do padrão de relacionamento.

 

Só profissionais que se prezem se fixam no emprego.

Vendedores não se fixam, estão de passagem pelas lojas.

Logo, vendedores não são profissionais que se preze.

 

Seleção Apurada e Treinamento são para profissionais que se preze.

Se vendedores não são profissionais que se preze,

Seleção Apurada e Treinamento não são para vendedores.

 

Sempre é tempo de ter profissionais preparados para oferecer um atendimento com excelência. Mesmo que esteja na loja por poucos dias, um vendedor terá tempo suficiente para atender os clientes que lá entrarem. Investir em programas adequados de Recrutamento, Seleção, Treinamento e Desenvolvimento favorecerá as condições para o alargamento da importância deste setor como um segmento com identidade de propósitos, crenças, oportunidades de aprendizado e crescimento para aqueles que nele ingressarem.

 

Qualidade distingue uma coisa de outra.

Minha loja é distinta de outra loja.

Logo, minha loja tem qualidade.

 

Empresas inteligentes e profissionalizadas dependem da qualidade de suas equipes. Qualidade está ligada à competência, um atributo que diferencia uma empresa da outra. Para que a empresa cresça e se mantenha, é preciso clientes satisfeitos. É por isto que não basta mais ter só o produto para satisfazê-lo. O conceito de qualidade evoluiu do controle sobre o produto à inclusão da satisfação de todos os participantes do processo de produção, de compra e de venda: clientes, usuários, fornecedores, gerência, acionistas, empregados, terceiros.

 

Equipes só funcionam  atuando em conjunto.

Todo vendedor faz parte de uma equipe.

Logo, toda equipe só tem vendedores que atuam em conjunto.

 

O desafio das lideranças do varejo com poder de decisão é propiciar as condições para um real compromisso das pessoas que compõem este segmento e, em contrapartida, obter a resposta àquilo que deseja, que espera delas. Como pessoas, todos nós só nos interessamos por aquilo que nos toca e proporciona sensações positivas. No campo profissional, isto pode ser traduzido por respeito, valorização e dignidade. Nos afastamos do que é negativo, não temos disposição para nos comprometer com o que não nos atrai.

 

Máximas como “é vendedor por falta de opção”, “vendedor já nasce feito”, “vendedor precisa ter cara-de-pau” e “vendedor bom é aquele que vende de qualquer maneira” têm que sair de cena para dar lugar ao conceito de que vender é um ofício que requer condições internas e externas para se desenvolver. A loja tem que ter um bom relacionamento com o cliente porque é o local que mais está ligado ao convívio direto com ele. Os números mostram que mais de 60% dos consumidores são atraídos pelo serviço prestado e que, no Brasil, 85% deles decidem sua compra dentro do ponto-de-venda.

 

O serviço de sua loja é um dos seus produtos. O potencial humano da sua loja é a diferença de qualidade do seu serviço. É preciso que analistas, especialistas, lojistas e equipes se unam e refaçam o caminho que tem sido percorrido para clarear nossas idéias e ações no sentido da valorização, qualificação e profissionalização do segmento e de seus recursos humanos. Senão, viveremos repetindo comportamentos equivocados:

 

 

Todo vendedor é mamífero;

Toda baleia é mamífera;

Logo, todo vendedor é baleia.

 

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